Simplório no país das maravilhas
Milhões de brasileiros, canudo brasileiro debaixo do braço, crêem na fábula, pródomo da moléstia que nos arrebata e nos exclui, que descreve um país industrializado e possuidor, e.g., de know-how na fabricação de aviões, como se pôde constatar, não sem perplexidade, ao considerar o conteúdo burlesco do diaporama net que me fora recentemente enviado.
Descrições deste gênero são freqüentemente veiculadas através de outras inumeráveis anedotas e fantásticas afabulações que nos assaltam, porquanto no recôndito de povos iletrados e desinformados os mitos e os desatinos proliferam e prevalecem contra a razão.
Acontece que conosco, esses e aqueles contribuem, em princípio, para nutrir o ego de um povo penetrado de um nacionalismo grotesco e injustificável, de uma espécie de embriaguez psicológica — espelho das nossas frustações —, lenitivo para o nosso opróbrio, que nos ajuda, com efeito, a mitigar o complexo de ser, e de pensar, e de amar, e de nascer, e de viver, e, enfim, de morrer confuso no labirinto de uma mentalidade terceiro-mundista, quase todos confortados na singularidade do nosso próprio terceiro mundo; esse mundeco coroado de menções honrosas, as mesmas que percorrem de norte a sul e de leste a oeste o globo telúrico.
O salário mínimo, um dos mais insignificantes do planeta, ou a dívida externa, uma das mais vultuosas dos países subdesenvolvidos, ou ainda a mortalidade infantil, uma das mais importantes dos hemisférios. Campeão mundial de futebol, mas também vice-campeão mundial de lepra, título que nos compele, através das campanhas de combate e erradicação da hanseníase nos países desfavorecidos e subdesenvolvidos, a constatar o mérito da pátria brasileira. O continente africano conserva, desde muito, o primeiro lugar, a medalha de ouro. O palmarés brasileiro é desventuradamente longo.
Para que nenhuma incerteza venha disturbar a capacidade de reflexão dos excessivamente crédulos, seguem, anexados abaixo, alguns links cujo conteúdo é susceptível de desqualificar, de maneira eloqüente, o panfleto eletrônico difundido pelo senhor Simplório. São páginas sobejadas de engodo, o fundo verde, amarelo e azul , i.e., o estandarte policromo desfraudado, insinuando-se sob os emblemas das matas, do ouro e do céu. No centro (em um só dos lados da bandeira, incrível) a divisa Ordem e Progresso, aliás, Ordre et progrès, divisa do filósofo francês Auguste Comte — fundador do Positivismo. Até isso o símio brasileiro contrafez. Que vergonha !
Os acionistas da Embraer, da Cia Bozano, da Previ, da Sistel, do grupo Dassault aviation, do grupo EADS, de Snecma e de Thales se ufanam do prestígio do qual as suas aeronaves gozam na esfera da aeronáutica internacional e, o fazem, com carradas de razão. Cf. Links / Notas de rodapé.
É preciso de uma vez por todas se render a dolorosa evidência de que o Brasil, essencialmente agrícola, não dispõe de tecnologia moderna e nem, muito menos, de tecnologia de ponta, consequëntemente não desfruta do status de país industrializado.
Acerca das empresas citadas acima, as três primeiras são brasileiras e, juntas, possuem a maioria das ações Embraer. As quatro subseqüentes são estrangeiras, não detêm o controle financeiro da companhia brasileira, mas se beneficiam do savoir-faire no âmbito da engenharia aeroespacial que é exportada ao Brasil a preço de diamante.
Ademais, a Embraher, para completar o tragicômico panorama, conta com a multinacional Rolls-Royce, fornecedora dos motores para os jatos regionais. A fuselagem e todos os acessórios de fuselagem, bem como o trem de aterrissagem e milhares de outras peças, em suma, tudo, ou quase tudo, é fornecido por multinacionais estrangeiras e fabricado consoante sua comprovada tecnologia. Os aviões brasileiros só herdam dos brasileiros o nome (Tucano por exemplo) e, amiúde, o sangue vertido, já denunciado em outras rodas e em outras horas, a doze dólares a jornada de trabalho, porquanto nas instalações Embraer de São José dos Campos é consolidada a super-prosperidade de alguns em detrimento da hiper-pauperizacão de muitos. Cf. Links / Notas de rodapé.
Para trocar em miúdos, as instalações Embraer são sinônimo absoluto de galpão de montagem. Ora, há considerável interesse comercial na produção acusto reduzido em razão da mão-de-obra proletária quase gratuita, e de encargos sociais impostos às poderosas empresas, mas existentes unicamente no papel. Os dirigentes brasileiros oferecem esse precioso maná às multinacionais estrangeiras que, por sua vez, se contorcem em orgasmos no deslocamento das suas corporações.
Enquanto houver deleite em subsistir sob a confortável crença que iça o Brasil à qualidade de país industrializado, detentor de uma respeitável moeda, nenhuma alteração substancial ocorrerá na sua deplorável conjuntura político socioeconômica. Pelo que tão-somente no se defrontar com a realidade, na confrontação com as nossas próprias imperfeições, mesmo que essas sejam de árdua deglutição e corrosiva digestão, é possível progredir.
Sob a égide da negação, e sobretudo da negação do incontestável, não pode haver evolução, nem ordem e nem progresso. Não obstante, para estesnumerosos crédulos, os que depositam sua obediência no inverossímil, os incorrigíveis simplórios renitentes; todos acorrentados à precariedade de agnição, cujo vigor não se exaure, porquanto vivificados no reiterar das suas fábulas, no insistir, no delirar; provavelmente um prodígio, um fenômeno metafísico, um dia lhes sobrevirá e lhes dará razão, já que VOX POPULI VOX DEI.
A mãe de um soldado assistia uma parada militar esverdeada, de alma esverdeada, quando, de repente, apercebeu-se que seu bem-amado filho-soldado marchava em uma cadência outra que a dos demais soldados que compunham o batalhão. Então, a mãe cega, em um acesso de cego amor; e o amor terreno sempre prorrompe em insensata parcialidade, exclama: Todo um batalhão marchando equivocadamente e somente meu filho, meu perfeito e adorável filho, marcha corretamente.
Se a cegueira é voluntária, se a vista só percebe por meio da sua retina sentimental, emocional ou instintiva, através de que mecanismo se espera poder ser receptivo à luz ? Quem ama verdadeiramente reconhece o seu erro, lamenta-o e tenta corrigí-lo, mas nunca o acoberta.
No país dos disparates um imperador estrangeiro proclamou a independência , um general do exército — o Cruzeiro do Sul estampado no peito —, decretou o fim da ditadura militar e, para perfazer o contra-senso, uma emissora de televisão, verdadeiro motor de alienação mental, usurpou aos estabelecimentos de ensino a faculdade de ensinar — nada de muito dificultoso — arrogando-se o direito de instruir a população e, de um certo modo, conseguiu, effetivamente, instruí-la (des-instruí-la). Quiçá em resposta ao próprio mérito dessa população, ou, em outras palavras, porque seria essa a dose assimilável, visto que cada público privilegia o espetáculo em que se compraz.
Em todo caso, essa maldita rede de televisão agrilhoa igualmente os nossos filhos ao pelourinho da ignorância, pobres crianças e futuros ianques incultos que, decerto, corromper-se-ão se não lhes advier nenhum socorro didático, se nenhuma medida séria for urgentemente adotada. Corromper-se-ão, seguramente, nas profundezas de um mongolismo pré-arquitetado, tele-idealizado, tele-veiculado, oriundo de um poder supranacional aparentemente inexpugnável, que vem acarrentando desserviços epidêmicos e irreversíveis. Povo inculto, povo desgraçadamente submisso, tecnologia estrangeira, dominação indubitavelmente estrangeira. O que detém o saber detém o poder. A história universal não nos relega ao desconhecimento, antes superabunda em episódios reveladores desta aterradora verdade.
Não disponho de tempo nem vejo superlativo interesse em retorquir, no que me creio competente, obviamente, outras escórias dissemindas na Internet, no entanto, me permito tentar, em nome da instrução política da juventude brasileira, abrindo essa exceção e aproveitanto esse ensejo, elucidar aqueles que ainda se autorizam ser receptivos ao esclarecimento. Isso faço através da abordagem de um único tópico ressaltado na página web em questão, os demais poderão ser, eventualmente e em tempo oportuno, apreciados, havendo tempo e havendo oportunidade.
Aristóteles não se conduziu ardilosamente nem se enganou em completude quando classificou o homem (ser humano) de animal político.
Il Babbuino (Luiz MacPontes)
http://www.dassault-aviation.com/home/
http://www.eads.com/1024/en/Trailer_EADS.html
http://www.snecma-propulsion-solide.com/
http://www.thalesgroup.com/home/home/
http://www.sonaca.com/page.asp?id=1743
http://www.liebherr.com/lh/fr/691.asp
http://www.liebherr.com/ae/fr/24821.asp
http://www.liebherr.com/lh/fr/38558.asp
http://www.rolls-royce.com/careers/canada_fr/locations/indianapolis.htm