Machismo ao feminino
Era uma vez o encontro e o jantar do mês
Entre camaradas de bom bate-papo;
Num bar francês, o ambiente de polidez
Degenerou num só e único ato.
Um G7 ― quatro minas e os caras três
― Um suiço, um canadense sem tato,
A teuto-brasileira de tom sudanês
E de decoro sem mácula, intato,
Duas suiças, eu e u’a ítala cortês
― No apogeu do seu eterno celibato.
Subitamente ― nunca soube a razão ―
O canadense ― sobremodo trapalhão ―
Disse ser ínvida e rancorosa a mulher,
C’o essa desastradíssima declaração
Desataram-se, pois, as línguas de trovão
Mais incorruptíveis que a de Robespierre.
Uma das quatro minas ― a moralista ―
Desnaturou o debate progressista;
Aos seus ardores, seus antolhos ajustou
E tratou o canadense de machista,
Que maltratado foi-se, baixou a crista
― digno, estupefacto ― não mais regressou.
Então disse eu ― como outrora se fazia ―
Tudo que dentro de mim incandescia
― Que o machismo é o maior dom feminino ―
O disse sem temor, sem cobardia.
― Céus! exasperada a dondoca bramia
Das profundezas do seu colo uterino.
― Vade retro! Sai! Vais comprar erudição
Numa escola secular de doutrinação
E um bom léxico francês ― Le Petit Robert.
Para não mais fazer das tripas coração,
Sonhei usar da prisca Lei de talião,
― Revidar ― e encarar o que der e vier.
A turma ― cartesiana e realista ―
Divisava a cena surrealista
Cuja ribalta a cabotina iluminou;
Da italiana ― cortês e pacifista ―
Até um olhar, singelo e trocista,
Do seu voluptuoso semblante escapou.
Jurei que com letras e humor replicaria
A Miss, a machista ― que louca ― se contorcia
Em crise psico-semântica, imagino,
Porque os homens, o pênis e o bordo, maldizia
E, ex cathedra, a coitada se repetia :
― Tu só dirás babaquices, Babbuino !
Deixe-me terminar, rogo-lhe !
É com moderação que me entrego à redação deste texto, sem pretender que ele seja louvado, mas com grande esperança de me tornar audível. Onde a expressão oral capitulou a expressão escrita empenha-se em triunfar.
Não ! Não ! E não à tirânia das palavras, ao seu uso despótico, não às digressões deliberadas, não às insinuações impertinentes, frequentemente acompanhadas de juízo de valor. Não ao monopólio do verbo, não à profanação do discurso, aos meta-discursos, à impudicidade da retórica, não à la palabre e não ao confusionismo. Os que se servem de tais ardis pervertem os colóquios amistosos, praticam a antípoda da communicação verbal, pois não honram o diálogo, sabotam-no incontestavelmente; dão testemunho de uma rigorosa insolência para com as soberanas faculdades de reflexão e de expressão e, sem escrúpulos, reduzem-nas à vacuidade.
Tomemos, agora, a palavra machismo como objeto de análise e algumas das suas respectivas definições cuidadosamente transcritas abaixo e contidas no dicionário de língua francesa contemporânea, Le Petit Robert.
Machisme n.m. (1971; du mexicain machismo, v. 1959; vulgarisme pour virilidad « virilité ». Système social, idéologie de la suprématie du mâle; comportement de macho. « Le machisme », la suprématie du mâle, est l’héritage de la civilisation ibérique centrée sur le mâle, faite pour et par le mâle.
Machismo n.m.(1971 ; do mexicano machismo, v.1959 ; vulgarismo por virilidad “virilidade”. Sistema social, ideologia da supremacia do macho, comportamento de macho.”O machismo”, a supremacia do macho, é a herança da civilização ibérica centrada no macho, feita para e pelo macho.
Quiçá, para legitimar o direito à liberdade de expressão, todavia respeitando opiniões contrárias, reitero minhas observações anteriormente verbalizadas, sem ignorar, obviamente, o mal-estar que estas poderão engendrar em alguns. Bem-aventurados aqueles que as podem ouvir sem se aborrecer, pois certamente amadurecerão.
Sustento, portanto, que uma das definições supracitadas, a ideologia da supremacia do macho, pode ser a ideologia de qualquer um; de toda pessoa que se conduz como macho (palavra espanhola do latim masculus designando o macho), ou melhor, que se conduz como machista, de toda pessoa que, pelo seu saber-oprimir, faz profissão de machista. De toda pessoa penetrada por um comportamento dominador, peculiar à ideologia da supremacia do macho. De toda pessoa que cultiva tendências falocratas, próprias também a esta mesma ideologia. De toda pessoa que se impõe a uma outra impondo-lhe sua opinião pessoal sobre um assunto qualquer e que à força de querer impô-lo precipita-se nos dédalos do despropósito, as vezes até com perda do self-control, semelhantemente a um alucinado quando agita seu músculo a fonemas e despeja seu linguajar canibalesco, fazendo-se, assim, reparar pelo sua roda, sem mesmo se preocupar com o seu enclausuramento psicológico et caetera.
Considero que a ideologia da supremacia do macho pode ser, efetivamente, encarnada por qualquer um, independentemente de sexo, de religião, de cútis, de etnia, de idade e de nacionalidade. Resumindo, o fato de pertencer a sistemas sociais que constituem a herança da civilização ibérica não confere a ninguém o statuto, ipso facto, de machista. Somente uma franca adesão à estrutura social e mental da supremacia do macho, testemunhada por uma personalidade intolerante, por um caráter fascista, por um comportamento totalitário, autocrata, pode verdadeiramente ser útil à identificação de um genuíno partidário, consciente ou não. A palavra ideologia sugere, quando menos, uma abordagem intelectual. Toda ideologia requer do seu adepto uma espécie de subscrição.
Seria judicioso, do meu ponto de vista, que as populações pertencentes às civilizações ditas evoluídas, começassem a dissociar o comportamento machista (lat. MASCULUS = MACHO / gr. ÁRSEN = macho) do sexo do homem (lat. HOMINEN / gr. ANER), mesmo se a palavra macho está, quanto à sua etimologia, estreitamente vinculada ao sexo maculino. É chegada a hora de eradicar, estou persuadido, o phallus da tela de fundo da temática do machismo na esfera terrestre, não por que os homens não estejam diretamente implicados, absolutamente não, mas porque o comportamento arbitrário, intolerante, totalitário que, atualmente, a palavra machismo encerra e evoca, não constitui uma especificidade masculina, logo, pode ser observado, sinto-me na obrigação de o denunciar, nos dois gêneros da raça humana. (gr. ANTHROPOS).
Substancialmente, quando o phallus do autoritarismo, da intransigência, da opressão, da coerção, não mais é neutralizado em um indivíduo, escapando ao seu controle, corre, o phallus, o risco de permanecer em ereção para, perdoem-me a grosseria, melhor sacanear, através da sua insolente attitude, o seu semelhante. Isto denota, inegavelmente, o machismo primário. O comportamento machista pode ser, eu o penso e o afirmo, a tragédia de cada um:
Do homem, da mulher, do grande e do liliputiano,
do pobre e do rico, do inculto e do instruído,
do jovem, do idoso, do Branco e do Black,
do Rosa, do Rubro, do Pálido e do Azul,
do terráqueo e, talvez, do alienus,
do contrito e do inveterado
Ser ou não ser, o ser susceptível de violência ? Eis a verdadeira questão. Retorno, assim sendo, a uma das definições da palavra machismo encontrando-se no dicionário Le Petit Robert e objeto da présente apreciação. Permito-me, desta feita, proceder a uma abordagem gramatical.
É peremptório que a preposição de (suas contrações com o artigo definido e seus gêneros, feminino e masculino, e números, singular e plural), pertencendo, como todas as outras preposições, à categoria de conectivos invariáveis tendo por função estabeler a subordinação entre orações e, outrossim, entre os diversos elementos de uma oração, pode exprimir inúmeras relações de dependência sintática. Nas línguas declináveis a relação de pertença se exprime, particularmente, pelo genitivo. Em latim, por exemplo, certas palavras são consideradas imparassilábicas ; portanto, sofrem uma transformação no genitivo singular, tomando, assim, uma forma mais longa de uma sílaba com relação ao nominativo. Nas línguas analíticas, como é o caso da língua francesa, a preposição de não pode ser modificada nem em sua morfologia nem em sua extensão, exceto se houver contrações, mas sublinha, além de outras idéias, nós o sabemos, a idéia de posse, a de origem e a partitiva.
Na ideologia da supremacia do macho, as relações de pertença entre ideologia, supremacia e macho se fazem nitidamente sentir; a supremacia se acha relacionada com o macho e a supremacia do macho está relacionada com uma certa ideologia, a ideologia da supremacia do macho.
Sempre em busca de compreensão, li, e li muitas vezes, a definição precitada para enfim me aperceber da evidência de que essa ideologia é realmente, correndo o risco de repetir e de me repetir, a de todos aqueles que se comportam como macho-supremo, como superior; é, certamente, a ideologia daqueles que manifestam nas suas relações interpessoais um foncionamento dito de macho, daqueles que o adotam sem reserva, ou daqueles que padecem da dificuldade de se desvencilhar desta maneira preeminente de se conduzir em sociedade.
Com efeito, nesta definição do machismo, a ideologia da supremacia do macho, de fato centrada no macho, feita para e pelo macho, mas vivida e exteriorizada igualmente por mulheres, nada deixa supor que sua adesão se restrinja à exclusividade masculina ; ser macho não constitui uma condição sine qua non à afiliação a uma qualquer ideologia. No entanto, a supremacia do macho está associada a uma ideologia de cunho masculino; essa ideologia implica o macho, mas o aderí-la diz respeito ao homo sapiens.
Ela pertence, certo, a toda pessoa desejosa de exercer essa supremacia, dita de macho, sobre uma outra. Toda alma dominadora, toda alma autoritária, patenteia sua inteira adesão à ideologia da supremacia do macho, e pode ser contada entre seus inúmeros e flagrantes adeptos. Muitos o são sem, portanto, admití-lo.
As definições do substantivo machismo encontradas no dicionário Le Petit Robert não me enclausuram numa dinâmica de esteriótipos, também não me confinam no que eu chamo de pensamento formatado, o "prêt-à-penser" (pronto para pensar): uma sorte de afecção cerebral crônica, aguda, provocada pelo bacilo "cogitocida", este considerado como o exterminador da atividade do espírito e devastador da dialética. A definição em questão, sobre a Idéologia da supremacia do macho, ao contrário, estimula meus neurônios, em primeiro lugar porquanto não é, de per si, redutora e, em seguida, porque se trata, em definitivo, de uma definição.
Por isso, não sofro de nenhum embaraço intelectual no empregar a expressão "mulher machista", a integrá-la no meu vocabulário, no meu próprio léxico; mas mo autorizo com jubilação, experimento como uma espécie de satisfação por não estar sob o domínio deste tipo de silogismo à tendência sexista, quer dizer : todos os homens são machos - premissa maior -, todos os machos são machistas -premissa menor -, logo todos os homens (gênero) são machistas - conclusão-, (e somente eles se entregam à prática do machismo).
Se o comportement machista, considerado em todas as suas particularidades e nuances, reivindicasse exclusividade masculina, seria necessário, e nesse caso eu o preconizo, aniquilar o papel da MAMMA do tecido sociocultural italiano.
Mulheres MACHISTAS e homens MAMMAS existem em toda parte do cosmos. O número de mulheres acometidas pela síndrome do machismo feminino está em flagrante progressão. Mulheres Machistas ? Certamente! Todos os dias as encontro, regularmente as abordo, são elas observáveis em cada esquina, em cada encruzilhada, são verdadeiramente numerosas no seio das nossas sociedades ocidentais à tendência ginecocrática, elas são o seu próprio reflexo, frequentemente filhas de genitores essencialmente machistas, suas descendentes, suas herdeiras, filhas do machismo por excelência, freqüentemente machistas sem se dar conta, soçobram infelizmente na denegação.
Seu dedo moralizador, inflamado da arrogância occidental, a pregadora de valores, apontado ad vitam aeternam em direção a outros sistemas sociais, outras civilizações, como que para colocar em evidência o paroxismo da discriminação feminina no universo sociocultural alheio, com o propósito de dissimular e de justificar, em toda impunidade, o vezo de se conduzir em bonapartista no seu próprio universo sociocultural.
Em nossos dias, certas mulheres ainda crêem que o machismo é um gene, logo, hereditariamente transmissível. Quando elas se tornam mães de um recém-nascido macho estimam que existe, em princípio, um macho em potencial habitando o pequeno ser que acabou de ver a luz do dia. Essa crença lhes é obsessiva, e isso, a despeito de toda e atual ciência genética posta ao alcance de quase todos. Para essas mães, o recém-nascido de sexo masculino não é suposto herdar o temperamento dominador e insubmisso de seu pai ou de sua mãe, ou talvez de um ancestral remoto, por atavismo. Não, seguramente não, a única certeza admitida após abstração feita de qualquer outro raciocínio responsável, repousa sobre o conceito do cara inato, o cara fundamental, que começa a desvendar a sua natureza essencial desde a sua versão miniaturizada ; tal natureza é suspeita de assombrar o espírito de todos os seres dotados de testículos. e durante toda a sua existência.
Esta crença contribui, copiosamente, à formação de novos machistas, de sexo masculino, certamente. As meninas estando submetidas a um outro processo pedagógico de alienação. À força de serem continuamente e psicologicamente castrados, os pequenos machistas reproduzem, por sua vez, o comportamento machista prodigalizado pelos seus educadores machistas, até se tornarem, paulatinamente, juniors machistas, depois, seniors machistas e, em alguns casos, futuros misóginos. Esse adjetivo, se não me engano, perambula atualmente pela boca de muita gente, é muito notório e, geralmente, empregado irrefletidamente, ao passo que a hostilidade, gratuita ou motivada, dispensada ao homem (gênero) se chama misandria, substantivo curiosamente pouco ouvido, pouco visitado pelos lábios dos nossos mais ardentes liberais. Seria ele pouco conhecido? Negligenciado? voluntariamente esquecido? Que sei eu ? Como se esta perturbação psíquica, a misandria stricto sensu, grangrenasse somente o íntimo de personagens fabulosos dos contos de fada. Essa última constatação, bem como todas as outras, visto que não me encontro nos arcanos do sexismo, só penhora, naturalmente, a mim.
O machismo feminino s’expressa nas nossas sociedades, outrossim, através de situações sui generis, visto que apregoa uma dimensão cultural; a priori, língua é cultura. Observamos que uma mulher francófona, falando de gravidez, "tombe enceinte", a expressão "tomber enceinte" (a despeito de si mesma, naturalmente) a de-responsabiliza, faz dela passiva e não autor, porquanto ela não se grávidou, mas, achou-se grávida. Uma mulher brasilófona "fica grávida", a expressão ficar grávida a des-responsabiliza, igualmente. Uma mulher anglófona "gets pregnant", literalmente pega, agarra, obtém, adquire, alcança, consegue a gravidez. O verbo empregado nesta expressão admite soberania uterina, a auto-suficiência em matéria de reprodução da espécie humana. No entanto, a partenogênese não constitui um atributo da raça humana.
Nas três orações acima assinaladas, o portador do patrimônio genético masculino (aquele que transmite o gene do machismo, obviamente), indispensável a fecundação, está categoricamente excluido de toda e qualquer implicação. Meu comentário ad hoc seria o de confessar que muito me divirto ao refletir sobre a preocupação que alguns manifestam, para estar em conformidade com a sua época, imagino eu, a respeito da escolha do artigo definido a ser empregado diante de um substantivo masculino designando uma mulher. Senhora o ministro ou Senhora a ministro ? Questão árdua, quase um problema estatal.
Homens mammas, de comportamento dominador exacerbado, mulheres machistas, de comportamento dominador desmedido, fazem, lamentavelmente, parte do nosso universo sociocultural. Conheço legiões de desesperadamente machistas.
Um fenômeno bastante desconcertante, do qual sofrem nossas sociedades ocidentais de reputação democrata, traduz-se, precisamente, pela presença de numerosos distúrbios provocados por uma conduta à configuração machista expressamente exibida por certos interlocutores durante nossas discussões informais que, aliás, desfiguram-nas singularmente. Sou compelido a notar que é justamente no seio de grupos de indivíduos pretensamente civilizados, presumivelmente experimentados no debate, que o espectro do machismo faz, ordinariamente, lastimáveis aparições. O diálogo é, amiúde, corrompido e seus preceitos elementares transgrididos, isto é, interromper continuamente aquele que fala, fazer digressões, interpelá-lo no andamento do seu discurso, persistir nessa atitude, não lhe ceder o direito à palavra, persistir nessa atitude, emitir e impor uma opinião estrangeira ao assunto, parasitá-lo.
Ademais, a tragédia mais deplorável e, simultaneamente, mais cômica, por sua extravagância é, efetivamente, a conduta que vários machistas desposam, à maneira de Miss Machista, de não se privar da liberdade de exprimir seu parecer ao seu interlocutor quando lhes apraz, e acerca da personalidade desse mesmo interlocutor. Não obstante, logo que o colocado em causa recorre ao princípio de liberdade recíproca, utilizando ilicitamente o mesmo procedimento, raro não é perceber a conversação impregnar-se de um odor nauseabundo de animosidade, primogênita do machismo e arma de predileção daquele que é apaixonado pela liberdade à mão única, daquele que apresenta dificuldades em conter suas contrariedades, daquele que se deixa possuir pela intolerância machista. A mesma intolerância desvendada na Ideologia da supremacia do macho, esta que, de quando em quando, transpõe brutalmente os limites do seu estado latente e passa da fase do pensamento ao ato, até se tornar, ineluctavelmente, observável no indivíduo afetado, este que é incapaz de se questionar, o menos inclinado à sabedoria. É desolador constatar que vários postulados ocidentais endossados por nossas sociedades possam ser, em função de circunstâncias, suas próprias pedras de tropeço. Saber agir com obséquio é uma arte, em contrapartida, consentir a levar na cara com dignidade, depois de ter boxeado, é um dever. Escusado será dizer.
Deve-se admitir, em triste conclusão, que é justamente em ambientes ocidentais privilegiados pela liberdade de expressão, cujas posições arbitrárias não teriam nenhuma chance de serem toleradas, que, paradoxalmente, este gênero de excentricidade vem, subversivo, à tona. Acaso seria o orgasmo acarretado pelo poder ? O poder de ser livre de ser um opositor à liberdade de expressão, ou se trata de puro machismo, ornamentado de todo o seu esplendor.
Chamo, oportunamente, a atenção, para me preservar de prováveis interpretações deturpadas, sobre o fato de que a logorréia (verbosidade, prolixidade) não é por si só irreverenciosa, quando menos, creio-o firmemente. Ser profuso em palavras não desmerece a eloqüência de ninguém, no entanto, ser confuso e charlatão ao ponto de suscitar cacofonia no seio de um grupo é, no meu entender, uma atitude reprovável.
Considerando o tema que precede e afim de concluí-lo, ainda me sobeja a vontade de sublinhar que a problemática envolvendo o machismo e o feminismo não me preocupa excessivamente, nem tão pouco me compele a uma reflexão abrangente. O polo do meu interesse é circunscrito à úlcera da inegalidade de sexos. Essa inegalidade confortavelmente alojada no inconsciente coletivo, solidamente cristalizada nas nosssas células, essa inegalidade instrumentalizada, institucionalizada, cada dia legiferada, essa inegalidade nociva às relações de casais, portadora de vicissitudes e geradora de incômodos sociais.
Para mim é tempo de parar, estou egomet ipse surpreso com o volume de babaquices que estou acabando de redigir. Posso deduzir que exceli em babaquices e sinto muito. Inclusive, não deveria, sob nenhum pretexto, ter empregado o termo babaquice, termo depreciativo, injurioso, à conotação machista, e isto em virtude da sua derivação da palavra babaca, a babaca, a perseguida, a vulva, a cona, em latim cunnus, o sexo feminino, o mais bonito, o Monte de vênus. Regozijo-me, por outro lado, ter conseguido subtrair-me à cólera, ao julgamento e à condenação dos militantes ecologistas, pois que esses não tardariam a me crucificar se tivesse eu empregado termos como asneiras ou besteiras. Deveria, certamente, ter empregado, de preferência, estupidez ou tolice, sem dúvida mais neutros. Persuadido estou.
É verdade, consinto, pois é incontestavelmente difícil agradar urbi et orbi, e seduzir todas as almas. Outrora, o herói epônimo do marxismo propos ao mundo a Ideologia da supremacia do proletariado. Sua doutrina não convenceu a todos, ele foi expulso da Alemanha, seu país natal, depois da França e, mais tarde, beneficiou-se de refúgio na Inglaterra.
Ousei escrever estas páginas de babaquices, por um lado para atestar que sou capaz de reagir com uma certa elegância sem, contudo, faltar com franqueza. Não ignoro, no entanto, que muitas vezes o excesso de franqueza pode incitar à censura, mas preferi, assim mesmo, correr outra vez o risco ao invés de pecar por falta de transparência; habitualmente interpretada, está em voga, como a nata do savoir-faire em matéria de relação com outrem. Como diria eu ? Aptidão à diplomacia ?
E por outro lado, para não perder o fio da meada, porque escolhi deixar algumas impressões do meu pensamento sobre papel, verba volant scripta manent, porque me determinei ir além do contexto da minha estrita intimidade e, dessa maneira, expor-me à apreciação das nossas sociedades. Fi-lo sem estado de espírito, sem temor. Fi-lo com a preocupação de não perder, doravante, nenhuma ocasião de me pronunciar com respeito a um assunto polêmico e de tornar a minha humilde opinião res publica, ou quem sabe, como já evoquei precedentemente, para fazer devido uso da liberdade de expressão. Fi-lo com perspectiva de lealdade para comigo mesmo, corroborando minhas convicções e, obviamente, porque procedendo assim me sinto bem mais livre, não o posso negar. Sinto-me, em todo caso, bem mais protegido de uma possível e obscena lapidação machista, os dois sexos compreendidos (ou em incompreensão). Por consequinte, creio estar ao abrigo de mordidelas verbais. Fi-lo, prioritariamente e a fortiori ratione, na esperança, repito-me, de me tornar audível, haja vista que minha expressão oral capitulara.
Fi-lo com a seriedade que se impõe, na infatigável busca de palavras castas, ao menos não abusivas, podendo se adequar ao contexto, sem intenção de ofender a dignidade de ninguém, contudo, consciente de que, as vezes, pouco coisa pode ferir frontalmente as conveniências. Opiniões contrárias não desconcertam de modo algum minha existência, estimo-me inteiramente experimentado, são elas sempre bem-vindas, podendo, de resto, enriquecer uma reflexão quando não são virilmente vociferadas, quando não são enunciadas em tom jupiteriano, quando não são consideradas infalíveis, quando são desprovidas de preconceitos, quando são erigidas sobre um raciocínio consciencioso e de modo algum sobre mitos e crenças, quando são revestidas de autenticidade, de originalidade e, destarte, despojadas de representações mentais, mas sobretudo, quando o assunto debatido não é intencionalmente obliterado via acessos de paixão.
Para mim, já é tempo de repouso, de me deixar acalentar, impertubavelmente, ao rítmo da metafísica. Confesso que prefiro crer no aforisma: cogito ergo Deus est. Queira perdoar-me, senhor Descartes, entrego-me aos prazeres da indolência, encontro-me submerso nas minhas meditações, em ruptura com o átomo, e me predisponho a saborear, na espera de sábias palavras que me seriam, porventura, endereçadas por Miss Macho, o nec plus ultra de todas as minhas babaquices.
Il Babbuino ( Luiz MacPontes )